domingo, 12 de junho de 2011

Aprender a deixar ir *


"(...)


Porque será que fazemos isso? Por alma de quem deixamos que a nossa mente nos domina?
Penso que em parte, isso tem a ver com um dos aspectos mais difíceis que vêm com o privilégio de dispor de uma mente consciente: ela tem a tendência de se impor até ao ponto de nos confundirmos com ela. Mas não somos a nossa mente. A mente é um dos atributos do ser humano - a forma que acolheu a nossa consciência, a nossa alma. Não somos obrigados a sujeitar-nos aos caprichos da mente! No momento em que há um entendimento profundo que a nossa mente, ela própria, é causa de muito do nosso sofrimento, podemos fazer o passo decisivo e começar a libertar-nos dos pesados padrões de pensamento.

(As quatro aproximações que são mencionadas, encontram-se no Dhammapada, um dos textos que formam a base do budismo Theravada.)

1 Deitar fora o que te pesa. Abre a mão!
É impressionante o cargo emocional que somos dispostos a carregar connosco. Preocupações sobre os outros, sobre a nossa interacção com outros; preocupações sobre o futuro; cenários sobre como podemos falhar, ser incapaz, infeliz, pobre... Tudo em conjunto transforme-se num peso que parece pender do nosso pescoço ou nos ombros. E porquê? O que isso te traz em termos de felicidade? Na verdade, o que traz é sofrimento por antecipação, ou sofrimento através das emoções não digeridas e associadas à memória. Mas o peso só existe enquanto o carregues. Porque não deitar fora o peso?
A tua mente não está agarrada aos pensamentos de sofrimento por ter essa natureza: foi um processo de socialização, aculturação e habituação que levou a tua mente a ter manobras para se segurar, ter uma noção de controlo sobre os acontecimentos. Mas podes também habituar a mente a não se agarrar ao futuro ou ao passado, e virar-te para o que realmente importe: estar no momento, e sentir o momento. É no Aqui e Agora que possas actuar e tomar as decisões conscientes que vão construir o teu futuro.Mas para isso tens que estar presente!

2 Viver no momento: faça só uma coisa cada vez.
Temos todos muita coisa que nos preocupa. Família, casa, trabalho, amigos, falta de tempo, colegas que chateiam, invejas e ciúmes que nos são lançados, o dinheiro que falta ao fim do mês, as tarefas que se acumulam... A um dado momento no dia podem passar milhares de pensamentos, muitos deles não tendo nada a ver com a actividade que estamos a desempenhar ou a conversa que estamos a ter. Mas porquê tentar dividir a capacidade mental sobre tantos assuntos? Corre-se o risco de não fazer satisfatoriamente o que decidimos fazer; mais: Viver no aqui e agora, consciente do que estamos a fazer, disponibilizando toda a nossa capacidade mental e atenção... para fazer uma coisa de cada vez. Dando a nossa energia toda, sempre podemos ter a certeza que fizemos tudo para que as coisas correm bem. Não haverá lugar para dúvidas: dás o que tens de melhor: a tua atenção completa.
Talvez seja preciso estabelecer prioridades - assim seja. Não é preciso sentir-te em falta ou culpado por não dar a tua atenção às coisas que esperam a sua vez - quando chegar a vez delas, podem contar também com a tua atenção completa.

3 Perceber que estamos sempre no momento certo no lugar certo.
A lei do karma implica que tudo o que nos acontece, é resultado das nossas acções - e qualquer acontecimento serve para aprendermos com as consequências das nossas acções e, em simultâneo, é uma oportunidade de tomar as acções que vão constituir a base do nosso futuro. Ou seja: estás sempre no lugar certo e no momento certo - mesmo quando isso parece colidir com a convicção da tua mente e do teu ego... Ao aprendermos a inevitabilidade da vida, podemos começar a perceber que não é no exterior que se encontram as condições para sermos feliz, neste momento e na circunstância que te encontras. Se apontamos com o dedo para fora, implicando que são os outros que nos impedem, fechamos os olhos para o que podemos fazer por nós.
Depois de aceitar que estamos sempre no lugar certo e no momento certo, podemos começar a ver que isso sempre é para o nosso próprio bem: serve a nossa aprendizagem. Infelizmente, as lições do karma só podem ser compreendidas na sua plenitude, após da aprendizagem.
No entanto, podemos ficar reconfortados com a perspectiva que se abre. Podemos começar a querer estar onde estamos - porque o nosso desejo final é evolução.
No momento em que começas a querer estar onde estás... o lugar onde estás deixa de ser uma prisão! E podemos descobrir algo maravilhosa: só estavam à vista as paredes da clausura da situação, enquanto na nossa percepção era uma prisão. Mas depois de começar a ver que estamos no lugar onde precisamos e queremos estar, vemos onde estão as janelas, as portas, se estão abertas, o que há além das paredes!

4 Cultivar a mente-anti-aderente.
O último truque para libertar-nos de peso emocional, é de facto um truque de prevenção: ter uma mente-anti-aderente. Não deixas que os eventos, acontecimentos, encontros, conversas, te colam nas paredes cerebrais. Cultivar uma atitude de observar o que acontece, tirar as conclusões que precisam ser tiradas, e deixar que as coisas passam, faz com que nada cola....
É como ter uma frigideira anti-aderente... precisa de ser passada por água para livrar-se dos restos dos omeletes, sob pena do próximo ter o sabor do último.

Há muitos exercícios possíveis para treinar a mente de descarregar peso, ser mono-funcional, aceitar o lugar do momento, e ser anti-aderente. Nas meditações ensaiamos todas as semanas alguns; mas o segredo de ser bem-sucedido está na disciplina diária. Não basta saber o que precisas fazer: é preciso fazé-lo!"


texto retirado do blog http://cavalo-de-vento.blogspot.com/

*

sábado, 11 de junho de 2011



"She was breathing deeply, she forgot the cold, the weight of beings, the insane or static life, the long anguish of living or dying. After so many years running from fear, fleeing crazily, uselessly, she was finally coming to a halt. At the same time she seemed to be recovering her roots, and the sap rose anew in her body, which was no longer trembling. Pressing her whole belly against the parapet, leaning toward the wheeling sky, she was only waiting for her pounding heart to settle down, and for the silence to form in her. The last constellations of stars fell in bunches a little lower on the horizon of the desert, and stood motionless. Then, with an unbearable sweetness, the waters of the night began to fill her, submerging the cold, rising gradually to the center of her being, and overflowing wave upon wave to her moaning mouth. A moment later, the whole sky stretched out above her as she lay with her back against the cold earth."

»Albert Camus

quarta-feira, 8 de junho de 2011

*


“Your beliefs become your thoughts,
Your thoughts become your words,
Your words become your actions,
Your actions become your habits,
Your habits become your values,
Your values become your destiny.”
— Mahatma Gandhi

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Normose ou o dia a dia.



A palavra normose foi criada na França pelo escritor e conferencista Jean-Ives Leloup para designar, em síntese, essa forma de comportamento visto como normal mas que, na realidade, não é normal.
Transportando esse conceito para observação da sociedade atual verificamos que as pessoas se pautam por padrões estabelecidos por alguém ou um grupo, em algum momento.
Por exemplo, segundo padrões da moda atual, ser normal é ser magro e bonito.
Para isso, vale dieta e, a cada dia surge uma diferente, ditada por essa ou aquela celebridade que afirma ter conseguido o peso ideal em um tempo mínimo.
Para alcançar as medidas ideais da dita normalidade vale a frequência a academias, com rigorosos exercícios físicos, massagens e tudo o mais que possa permitir atingir o idealizado.
E depois vêm as cirurgias para modificar tudo que seja possível alterar.
Não escapam os dentes, que devem ser perfeitos e brancos e, para isso, submetem-se as pessoas a aplicações de laser, porcelana e o que mais seja necessário.
Não importa se algo faz mal à saúde. O importante é ser normal que inclui, ao demais, estar sempre na moda, vestir a roupa do momento, custe o que custar.
Gastam-se verdadeiras fortunas com cabeleireiros, maquiagem, produtos de beleza.
Porque não se pode perder festa alguma. Nem evento importante. Isso logo nos desqualificaria como um ser normal.
Naturalmente, é louvável o cuidado com o corpo, a atenção ao parecer bem, à elegância. Faz parte da evolução da criatura cultivar o belo, o bom.
Mas daí aos exageros, aos excessos vai uma distância que prima pela insensatez.
Gasta-se o que não se tem, finge-se o que não se é. Tudo para parecer normal… Como os demais.
Que padrão de normalidade, afinal, estamos elegendo? Algo totalmente físico, exterior, passageiro em detrimento de valores reais?
Será isso que desejamos para os nossos filhos, a Humanidade do amanhã?
Desejaremos uma Humanidade de pessoas esquálidas, bulímicas, estressadas e vazias de conteúdo?
Cabe-nos pensar um pouco, antes que nossos filhos, por não atenderem aos padrões ditados por alguns se lancem no fundo poço da depressão, perdendo as oportunidades de progresso nesta vida.
Estamos na Terra para angariar sabedoria, ilustrar a mente, dulcificar o coração, ascender à perfeição.
A mente se ilustra com estudo, reflexão, esforço. O coração se dulcifica no exercício do bem ao próximo, entendendo que as diferenças existem para permitir realce à verdadeira beleza.
Invistamos nisso. E, em vez de nos esgotarmos em horas e mais horas de trabalho para conseguir mais dinheiro para atender a necessidades tolas, reservemos tempo para conviver com a família, com os amigos.
Reservemos tempo para leituras, alimentando as ideias; para a reflexão, a fim de nos enriquecermos interiormente.
Tempo para olhar o nascer do sol e seu desaparecer no poente, para ouvir a sinfonia da chuva em dias quentes, o agradecimento da terra pela água que sorve, com sofreguidão.
Tempo para amar, para viver, para ser um humano de valor, para ser feliz.
Pensemos nisso!


retirado do blog: http://pedagogiadoencontro.blogspot.com

sábado, 14 de maio de 2011

quem não sentir nada a ouvir isto, não tem coração.

Amor.. e um dos meus livros preferidos.



"Então Almitra disse, fala-nos do Amor.
E ele ergueu a cabeça e olhou para o povo e caiu uma grande imobilidade
sobre eles. E em voz poderosa ele disse:
Quando o amor vier ter convosco,
Seguros embora os seus caminhos sejam árduos e sinuosos.
E quando as suas asas vos envolverem, abraçai-o, embora a espada oculta sob
as asas vos possa ferir.
E quando ele falar convosco, acreditai,
Embora a sua voz possa abalar os vossos sonhos como o vento do norte
devasta o jardim.
Pois o amor, coroando-vos, também vos sacrificará. Assim como é para o
vosso crescimento também é para a vossa decadência.
Mesmo que ele suba até vós e acaricie os mais ternos ramos que tremem ao
sol,
Também até às raízes ele descerá e abaná-las-à
Enquanto elas se agarram à terra.
Como molhos de trigo ele vos junta a si.
Vos amanha para vos pôr a nu.

Vos peneira para vos libertar das impurezas.
Vos mói até à alvura.
Vos amassa até vos tomardes moldáveis;
E depois entrega-vos ao seu fogo sagrado, para que vos tomeis pão sagrado
para a sagrada festa de Deus.
Toda estas coisas vos fará o amor até que conheçais os segredos do vosso
coração, e, com esse conhecimento, vos tomeis um fragmento do coração da
Vida.
Mas se, receosos, procurardes só a paz do amor e o prazer do amor,
Então é melhor que oculteis a vossa nudez e saiais do amor,
Para o mundo sem sentido onde rireis, mas não com todo o vosso riso, e
chorareis mas não com todas as vossas lágrimas.
O amor só se dá a si e não tira nada senão de si.
O amor não possui nem é possuído;
Pois o amor basta-se a si próprio.
Quando amardes não deveis dizer "Deus está no meu coração", mas antes
"Eu estou no coração de Deus".
E não penseis que podeis alterar o rumo do amor, pois o amor, se vos achar
dignos, dirigirá o seu curso.
O amornão tem outro desejo que o de se preencher a si próprio.
Mas se amardes e tiverdes desejos, que sejam esses os vossos desejos:
Fundir-se e ser como um regato que corre e canta a sua melodia para a noite.
Para conhecer a dor de tanta ternura.
Ser ferido pela vossa própria compreensão do amor;

E sangrar com vontade e alegremente.
Despertar de madrugada com um coração alado e dar graças por mais um dia
de amor;
Repousar ao fim da tarde e meditar sobre o êxtase do amor;
Regressar a casa à noite com gratidão;
E depois adormecer com uma prece para os amados do vosso coração e um
cântico de louvor nos vossos lábios."

Khalil Gibran in "O profeta" *

domingo, 8 de maio de 2011

"oh colega cuidado com as emoções"



"If people see this they'll say 'Oh my God, that is horrible,' and then go on eating their dinners.”
JOAQUIN PHOENIX (Jack)

é nestas alturas que gostava de ter a sensibilidade de uma avestruz.
meter a cabeça na areia à espera do 2012.
e ir para festas de trance.
enquanto o mundo mergulha no caos.

gostava mesmo.
mas sou o caos.
e não tenho medo.

P.s: tenho de deixar de ir à Baixa. desalinha-me os chackras.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Se..



"Se podes suportar que outros te acusem
Quando do mal não sejas culpado
E, muito embora todos se recusem
A acreditar em ti, tu segues confiado;
Se podes esperar sem desesperança,
À mentira antepor sempre a verdade;
Não responder a ódios com vingança,
Mas sem aparentar muita bondade.

Se tu podes sonhar sem que o Sonho te arraste,
Se tu podes pensar sem que a Ideia te vença;
Se podes encarar o Triunfo e o Desastre
Com a mesma indiferença;
Tua verdade ouvir por outrem pervertida
Na mentira subtil que os néscios alimenta;
Ou, vendo destruída a obra da tua vida,
Recomeçá-la com a gasta ferramenta.

Se podes arriscar numa jogada
Toda a tua fortuna e, tendo-a assim perdido,
Principiar outra vez, voltando ao nada,
Sem jamais aludir ao sucedido;
Se podes comandar o coração e os nervos
E, quando fores só uma ruína,
Torná-los ainda servos
Dessa tua vontade que os domina;

Se sabes enfrentar, sereno, as multidões
E o convívio dos reis não te inebria;
Se os inimigos como as afeições
Não puderem prender-te em demasia;
Se viveres, enfim, o Tempo inexorável
Longe das lutas vãs em que os outros o consomem;
Será teu o Universo e, o que é mais admirável,
Serás um Homem!"


»Rudyard Kipling [tradução de Anrique Paço d'Arcos]

quarta-feira, 20 de abril de 2011

creio..


"Creio nos anjos que andam pelo mundo,
creio na deusa com olhos de diamantes,
creio em amores lunares com piano ao fundo,
creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes;

creio num engenho que falta mais fecundo
de harmonizar as partes dissonantes,
creio que tudo é eterno num segundo,
creio num céu futuro que houve dantes,

creio nos deuses de um astral mais puro,
na flor humilde que se encosta ao muro,
creio na carne que enfeitiça o além,

creio no incrível, nas coisas assombrosas,
na ocupação do mundo pelas rosas,
creio que o amor tem asas de ouro. Amén."

»Natália Correia

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Conan, gosto de ti*

"Don´t be cynical..it´s the worst qualitie that you can have..
Nobody in life gets exactly what they thought they were going to get. But if you work really hard and you're kind, amazing things will happen." ♥
Conan, na sua despedida da NBC.

Balada do Louco ~ Ney Matogrosso

quarta-feira, 13 de abril de 2011

..este verão.. :)*



"Este Verão ensina-me
a amar as minhas cicatrizes
a enfeitar-me com marcas de estrangulamento no pescoço

Este Verão ensina-me
a fechar à chave a amargura e fico
bem roliça e anafada pareço bem tratada

Este Verão ensina-me
a gritar o bel canto

Este Verão ensina-me
que a solidão descansa
e cresce numa mão

Este Verão ensina-me
a não confundir um corpo disponível
com o desejo de felicidade

Este Verão ensina-me
a ser para cada pedra um espelho de água

Este Verão ensina-me
a amar grandes bolas de sabão e pequenas
antes de rebentarem

Este Verão ensina-me
que tudo sem nós
por si continua

Este Verão ensina-me
um rosto gelado feliz

Este Verão ensina-me
tenho que ser eu a bater no tambor
quando quiser dançar

este Verão ensina-me
a ser sem felicidade sem tristeza por uns
segundos aliada de Deus

Este Verão ensina-me
a acordar de manhã. Grata. Sozinha.

Este Verão ensina-me
que a folha do limoeiro só deita cheiro
quando a desfazemos entre os dedos."


»Ulla Hahn

terça-feira, 12 de abril de 2011

Os pobrezinhos



"Na minha família os animais domésticos não eram cães nem gatos nem pássaros; na minha família os animais domésticos eram pobres. Cada uma das minhas tias tinha o seu pobre, pessoal e intransmissível, que vinha a casa dos meus avós uma vez por semana buscar, com um sorriso agradecido, a ração de roupa e comida.

Os pobres, para além de serem obviamente pobres (de preferência descalços, para poderem ser calçados pelos donos; de preferência rotos, para poderem vestir camisas velhas que se salvavam, desse modo, de um destino natural de esfregões; de preferência doentes a fim de receberem uma embalagem de aspirina), deviam possuir outras características imprescindíveis: irem à missa, baptizarem os filhos, não andarem bêbedos, e sobretudo, manterem-se orgulhosamente fiéis a quem pertenciam. Parece que ainda estou a ver um homem de sumptuosos farrapos, parecido com o Tolstoi até na barba, responder, ofendido e soberbo, a uma prima distraída que insistia em oferecer-lhe uma camisola que nenhum de nós queria:

- Eu não sou o seu pobre; eu sou o pobre da minha Teresinha.

O plural de pobre não era «pobres». O plural de pobre era «esta gente». No Natal e na Páscoa as tias reuniam-se em bando, armadas de fatias de bolo-rei, saquinhos de amêndoas e outras delícias equivalentes, e deslocavam-se piedosamente ao sítio onde os seus animais domésticos habitavam, isto é, uma bairro de casas de madeira da periferia de Benfica, nas Pedralvas e junto à Estrada Militar, a fim de distribuírem, numa pompa de reis magos, peúgas de lã, cuecas, sandálias que não serviam a ninguém, pagelas de Nossa Senhora de Fátima e outras maravilhas de igual calibre. Os pobres surgiam das suas barracas, alvoraçados e gratos, e as minhas tias preveniam-me logo, enxotando-os com as costas da mão:

- Não se chegue muito que esta gente tem piolhos.

Nessas alturas, e só nessas alturas, era permitido oferecer aos pobres, presente sempre perigoso por correr o risco de ser gasto

(- Esta gente, coitada, não tem noção do dinheiro)

de forma de deletéria e irresponsável. O pobre da minha Carlota, por exemplo, foi proibido de entrar na casa dos meus avós porque, quando ela lhe meteu dez tostões na palma recomendando, maternal, preocupada com a saúde do seu animal doméstico

- Agora veja lá, não gaste tudo em vinho

o atrevido lhe respondeu, malcriadíssimo:

- Não, minha senhora, vou comprar um Alfa-Romeu

Os filhos dos pobres definiam-se por não irem à escola, serem magrinhos e morrerem muito. Ao perguntar as razões destas características insólitas foi-me dito com um encolher de ombros

- O que é que o menino quer, esta gente é assim

e eu entendi que ser pobre, mais do que um destino, era uma espécie de vocação, como ter jeito para jogar bridge ou para tocar piano.

Ao amor dos pobres presidiam duas criaturas do oratório da minha avó, uma em barro e outra em fotografia, que eram o padre Cruz e a Sãozinha, as quais dirigiam a caridade sob um crucifixo de mogno. O padre Cruz era um sujeito chupado, de batina, e a Sãozinha uma jovem cheia de medalhas, com um sorriso alcoviteiro de actriz de cinema das pastilhas elásticas, que me informaram ter oferecido exemplarmente a vida a Deus em troca da saúde dos pais. A actriz bateu a bota, o pai ficou óptimo e, a partir da altura em que revelaram este milagre, tremia de pânico que a minha mãe, espirrando, me ordenasse

- Ora ofereça lá a vida que estou farta de me assoar

e eu fosse direitinho para o cemitério a fim de ela não ter de beber chás de limão.

Na minha ideia o padre Cruz e a Saõzinha eram casados, tanto mais que num boletim que a minha família assinava, chamado «Almanaque da Sãozinha», se narravam, em comunhão de bens, os milagres de ambos que consistiam geralmente em curas de paralíticos e vigésimos premiados, milagres inacreditavelmente acompanhados de odores dulcíssimos a incenso.

Tanto pobre, tanta Sãozinha e tanto cheiro irritavam-me. E creio que foi por essa época que principiei a olhar, com afecto crescente, uma gravura poeirenta atirada para o sótão que mostrava uma jubilosa multidão de pobres em torno da guilhotina onde cortavam a cabeça aos reis"

»António Lobo Antunes

Texto citado na Conferência sobre a exclusão social.
Pensemos nisto.. este texto foi escrito acerca de uma dimensão social que se vivia há uns 40, 50 anos.. estaremos diferentes?
*

Special ~Mew

domingo, 10 de abril de 2011

FMI!!!!


» José Mário Branco - FMI

Tão contemporâneo, não é?

Para quem se der ao trabalho de ler a letra toda...

sexta-feira, 8 de abril de 2011

geração à rasca.. ou que não se sabe desenrascar?


O texto que vou colocar no blog, foi-me enviado por uma amiga para o email. Infelizmente partilho integralmente a opinião com o autor do texto.. não retirando também a culpa que os políticos corruptos (quem? são todos) da situação do país.
Aqui vai:


"A geração dos meus pais não foi uma geração à rasca.
Foi uma geração com capacidade para se desenrascar.
Numa terriola do Minho as condições de vida não eram as melhores.
Mas o meu pai António não ficou de braços cruzados à espera do Estado
ou de quem quer que fosse para se desenrascar.
Veio para Lisboa, aos 14 anos, onde um seu irmão, um pouco mais velho,
o Artur, já se encontrava.
Mais tarde veio o Joaquim, o irmão mais novo.
Apenas sabendo tratar da terra e do pastoreio, perdidos na grande e
desconhecida Lisboa, lançaram-se à vida.
Porque recusaram ser uma geração à rasca fizeram uma coisa muito simples.
Foram trabalhar.

Não havia condições para fazerem o que sabiam e gostavam.
Não ficaram à espera.
Foram taberneiros.
Foram carvoeiros.
Fizeram milhares de bolas de carvão e serviram milhares de copos de
vinho ao balcão.
Foram simples empregados de tasca.
Mas pouparam.
E quando surgiu a oportunidade estabeleceram-se como comerciantes no ramo.
Cada um à sua maneira foram-se desenrascando.
Porque sempre assumiram as suas vidas pelas suas próprias mãos.
Porque sempre acreditaram neles próprios.

E nós, eu e os meus primos, nunca passámos por necessidades básicas.
Nós, eu e os meus primos, sempre tivémos a possibilidade de acesso ao
ensino e à formação como ferramentas para o futuro.
Uns aproveitaram melhor, outros nem tanto, mas todos tiveram as
condições que necessitaram.
E é este o exemplo de vida que, ainda hoje, com 60 anos, me norteia e me
conduz.

Salvaguardadas as diferenças dos tempos mantenho este espírito.
Não preciso das ajudas do Estado.
Porque o meu pai e tios também não precisaram e desenrascaram-se.
Não preciso das ajudas da família que também têm as suas próprias vidas.
Não preciso das ajudas dos vizinhos e amigos.
Porque o meu pai e tios também não precisaram e desenrascaram-se.

Preciso de mim.
Só de mim.
E, por isso, não sou, nunca fui, de qualquer geração à rasca.
Porque me desenrasco.
Porque sempre me desenrasquei.

O mal desta auto-intitulada geração à rasca é a incapacidade que revelam.
Habituados, mal habituados, a terem tudo de mão beijada.
Habituados, mal habituados, a não precisarem de lutar por nada porque
tudo lhes foi sendo oferecido.
Habituados, mal habituados, a pensarem que lhes bastaria um canudo de
um qualquer curso dito superior para terem garantida a eterna e fácil
prosperidade.
Sentem-se desiludidos.

E a culpa desta desilusão é dos "papás" que os convenceram que a vida
é um mar de rosas.
Mas não é.
É altura de aprenderem a ser humildes.
É altura de fazerem opções.
Podem ser "encanudados" de qualquer curso mas não encontram emprego "digno".
Podem ser "encanudados" de qualquer curso mas não conseguem ganhar o
dinheiro que possa sustentar, de imediato, a vida que os acostumaram a
pensar ser facilmente conseguida.
Experimentem dar tempo ao tempo, e entretanto, deitem a mão a qualquer
coisa.
Mexam-se.
Trabalhem.
Ganhem dinheiro.

Na loja do Shopping.
Porque não ?
Aaaahhh porque é Doutor...
Doutor em loja de Shopping não dá status social.
Pois não.
Mas dá algum dinheiro.
E logo chegará o tempo em que irão encontrar o tal e ambicionado
emprego "digno".
O tal que dá status.

O meu pai e tios fizeram bolas de carvão e venderam copos de vinho.
Eu, que sou Informático, System Engineer, em alturas de aperto, vendi
bolos, calças de ganga, trabalhei em cafés, etc.
E garanto-vos que sou hoje muito melhor e mais reconhecido socialmente
do que se sempre tivesse tido a papinha toda feita.

Geração à rasca ?
Vão trabalhar que isso passa."

Não faço ideia quem escreveu, mas escreveu muito bem ;)

:)*



“And above all, watch with glittering eyes the whole world around you because the greatest secrets are always hidden in the most unlikely places.”
» Roald Dahl

terça-feira, 5 de abril de 2011

Eu chegava primeiro
e tinha de esperar-te
e antes de chegar
já lá estavas
naquele preciso sítio combinado.
Sabia, e sei, que um dia não virás
que até duvidarei
que estiveste onde estiveste
até se exististe
ou se eu mesma existi
naquela hora certa,
naquele lugar.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

CAMPEÕEESS CAMPEÕEEES NÓS SOMOS CAMPEÕEEEES!



Ora encontro-me em estado maravilha por causa do meu FCP..No meio desta crise económica e ambiental, só o meu FCP para me dar alegrias! Geeeeeentxi! :D :D

Adoro ver os comentários no JN, encontram-se sempre pérolas.
Mas antes, devo aqui explanar algumas pérolas que ouvi de benfiquistas ressabiados, tais como:
- o FCP já fez isto em 2009 no jogo não sei com quem
- O Pinto da Costa já tinha pago este campeonato préviamente com fruta e café com leite
- Em 1993, o FCP deitou diluente e veneno nos chuveiros em que os jogadores do SLB iam tomar banho e coitadinhos foram todos para o hospital
- O Roberto foi drogado antes de entrar no jogo
- O Pinto da Costa pertence a uma máfia da América Latina, poderosíssima

Ora depois destas belas pérolas de quem não sabe perder e pensa que ainda está em 1954, aqui vai a tal do adepto portista no JN:

"O que eu descobri..
... num só dia:- que o SLB está tão à rasca de dinheiro que não consegue pagar a conta da luz- que a razão é ter uma conta tão grande na EPAL- que o Jesus afinal não é eletricista (pensava que aquela trunfa era do homem apanhar choques electricos todos os dias)- que é possivel expulsar 1 jogador com duplo amarelo sem ele ter cometido sequer 1 falta- que o Paraguai tem o campeão nacional de karaté a jogar no Benfica- que afinal existem macacos brancos em Lisboa (vi com os meus olhos 1 a ser preso pela polícia antes do jogo)... eu pensava que era tudo macacos de andaimes- que era possivel perdoarem mais cartões vermelhos a jogadores da mesma equipa do que no jogo da supertaça...- e...que existem bolas de golfe amarelas!!!!!!!"

Pois é meu caro anónimo.. há coisas fantásticas não há?

;)

Talvez ainda...

«Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: «A noite tem estrelas e, azuis, os astros tiritam na distância.»

O vento nocturno gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Eu amei-o e, por vezes, ele também me quis.

Em noites como esta tive-o nos meus braços,

beijei-o tantas vezes sob o céu infinito.

Ele quis-me e por vezes eu também lhe queria.

Como não ter amado seus grandes olhos firmes?

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Pensar que não o tenho. E sentir que o perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ele.

E o verso cai na alma qual o prado o rocio.

Que importa o meu amor não pudesse guardá-lo!

A noite tem estrelas e ele não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.

Minha alma não se conforma com havê-lo perdido.

Como para aproximá-lo, o meu olhar procura-o.

Meu coração procura-o, ele não está comigo.

A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.

Porém, nós já não somos os mesmos desses dias.

Já não lhe quero, é certo, mas quanto amor lhe tive!

Minha voz buscava o vento para tocar seus ouvidos,

De outra. Será de outra. Como antes dos meus beijos.

Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.

Já não lhe quero, é certo, mas talvez ainda lhe queira.

É tão breve o amor, é tão longe o olvido.

Porque em noites como esta tive-o nos meus braços.

Minha alma não se conforma com havê-lo perdido.

Embora esta seja a última dor que ele me causa

e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.»

domingo, 3 de abril de 2011

Enfim...


« Os homens já não têm tempo para tomar conhecimento de nada. Compram coisas feitas aos mercadores. Mas como não existem mercadores de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, cativa-me.»
O Príncipezinho

...

..silêncios..


"Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível verdade da palavra.

Deram-me o silêncio como uma palavra impossível,
Nua e clara como o fulgor de uma lâmina invencível,
Para eu guardar dentro de mim,
Para eu ignorar dentro de mim
A única palvra sem disfarce –
A palavra que nunca se profere."

»Adolfo Casais Monteiro

quarta-feira, 30 de março de 2011

Die Welle





..é por estas e por outras, que adoro as aulas da Dra Paula Morais.
Fantástico.

terça-feira, 29 de março de 2011

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"A liberdade não é uma filosofia e nem sequer uma ideia, é um movimento da consciência que nos leva, em certos momentos, a proferir dois monossílabos: Sim ou Não. Na sua brevidade instantânea, como a luz do relâmpago, desenha-se assim o sinal contraditório da natureza humana."

»Octávio Paz

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"..Parece que existe no cérebro uma zona perfeitamente específica que poderia chamar-se memória poética e que regista aquilo que nos comoveu, aquilo que dá à nossa vida a sua beleza própria. Desde que Tomas conhecera Tereza, nenhuma mulher tinha o direito de deixar qualquer marca, por mais efémera que fosse, nessa zona do seu cérebro.."

»Milan Kundera, in A Insustentável Leveza do Ser

:)